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“Há obrigação alimentar após a Morte” – artigo pela Revista Síntese de Direito de Família n° 80 Outubro/Novembro/ 2013, pp 225/227.

Os sucessores do alimentante respondem pela obrigação alimentar por ele assumida em vida? Responsabilizam-se eles também pelas verbas pensionais que vierem a se vencer após a morte do de cujus? A eles, após o falecimento do autor da herança, pode ser atribuído o dever de sustento que apenas ao de cujus poderia ser imputado?

A resposta nem sempre é afirmativa. Quando se trata de obrigação constituída anteriormente à morte do alimentante, os seus herdeiros, -muito embora apenas nos limites do acervo patrimonial objeto da herança-, são efetivamente por aquela responsáveis. Do mesmo modo se a ação de alimentos, embora não ainda definitivamente julgada, já se encontrava em curso ao tempo do falecimento do demandado, os seus sucessores poderão ser guindados ao respectivo polo passivo e arcar, por conseguinte, com a pensão que vier a ser arbitrada.

Mas se o falecido não deixou bens a serem inventariados, nada devem, àquele título, o espólio ou os herdeiros. E, aliás, não poderia ser de outro modo, pois, diante do caráter personalíssimo da obrigação alimentar, não há como conceber que os herdeiros venham a ser compelidos a responder com seu patrimônio pessoal por dívida alimentar de responsabilidade exclusiva do alimentante morto.

Em suma, o que se transmite é a dívida já constituída, a qual, não se confunde com o dever de prestar alimentos, este sim, insista-se, personalíssimo1.

Em regra, pois, os herdeiros do devedor pré-morto apenas devem suportar as dívidas vencidas até a data do óbito do alimentante, uma vez que estas integram o passivo do espólio2.

Tal responsabilidade, segundo orientação jurisprudencial prevalente, deveria alcançar também aquelas verbas alimentares vencidas posteriormente à morte do alimentante, limitadas temporalmente, contudo, ao término do inventário. Consoante aqueles que perfilham tal posicionamento, o que se transmite é o dever legal de prestar alimentos, sendo certo que este deve ser adimplido até mesmo após o falecimento do obrigado3. Não tivesse sido essa a intenção do legislador – argumentam aqueles que assim pensam – teria a lei utilizado o vocábulo “dívida” e não obrigação. Nessa hipótese, uma vez efetivada a partilha, cada herdeiro deveria responder pelo pagamento da verba pensional, proporcionalmente à respectiva cota hereditária e sempre dentro dos lindes da obrigação assumida em vida pelo alimentante.

Admitindo-se o raciocínio como correto, haveria que se reconhecer que o direito ao pensionamento daquele que não é herdeiro e sequer meeiro – estabelecido em vida do consorte pré-morto-, não se extinguiria com a partilha, muito embora os alimentos devessem ser satisfeitos apenas com os recursos daquela advindos. Trata-se de hipótese que indiscutivelmente causa enorme perplexidade pois, nesse caso, os filhos do de cujus poderiam vir a ser compelidos a prestar alimentos a pessoas que com eles não possuem qualquer vínculo de sangue ou mesmo afetivo. Imagine-se, a guisa de exemplo, se após a morte de um dos conviventes – a cuja herança não tivesse direito o supérstite, deliberasse este último pleitear alimentos dos descendentes do falecido, havidos de união anterior. O acolhimento de um pleito dessa natureza implicaria em constranger esses descendentes advindos de outro leito mantido pelo de cujus a pensionar, quiçá vitaliciamente, pessoa com a qual não teriam obrigação legal ou moral de sustento.

E tanto mais absurda se afigura a hipótese aventada,- malgrado referendada por alguns julgados e doutrinadores -, que após a partilha não há mais que cogitar de “sucessores do falecido” os quais, por essa razão, tal como obtempera MARIA BERENICE DIAS, “não respondem com o seu patrimônio particular pelo pagamento da obrigação alimentar do devedor falecido”4.

A incoerência de tal posicionamento é de tal ordem que, na hipótese de o alimentante ser também herdeiro, pode ele haver o valor da pensão alimentícia diretamente do espólio apenas até a efetivação da partilha. A partir daí, caso a cota hereditária não se mostre suficiente para o atendimento de suas necessidades, deverá demandar alimentos daqueles que tem a obrigação legal de lhe suprir o sustento. O mesmo, por óbvio, deverá se dar com aquele que não tenha qualquer direito sobre o patrimônio deixado pelo consorte falecido.

Abre-se a esse respeito uma única exceção: ao herdeiro ou ao meeiro alijado dos rendimentos proporcionados pelos bens que integram a herança e sobre parte dos quais fará jus, pode-se conferir, até o recebimento destes, verba alimentar que, nesse caso, assume contornos nitidamente compensatórios.

Sumulando, a obrigação alimentar transmitida é pois aquela preexistente à morte do alimentante, e o Espólio por ela responde nos estritos limites de suas forças. Encerrado o inventário – sendo o alimentado, herdeiro ou não -, não tem ele como reclamar de quaisquer dos descendentes, ascendentes, ex-cônjuge, companheiro do falecido, ou mesmo de outro herdeiro, qualquer valor a título de alimentos. É que, como teve ensejo de bem elucidar o STJ “Não se pode confundir a regra do art. 1700, segundo a qual a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, com a transmissão do dever jurídico alimentar (…) Trata-se na verdade de coisas distintas. O dever jurídico é abstrato e indeterminado e a ele se contrapõe o direito subjetivo, enquanto que a obrigação é concreta e determinada e a ela se contrapõe uma prestação” 5

Destarte, se o dever de prestar alimentos não se transmite com a morte e se, insista-se, a obrigação que se transfere é apenas e tão somente aquela consolidada em vida do devedor, não há que se cogitar, definitivamente, de direito novo a ser exercido contra os herdeiros.6

1 STJ, Resp. No. 64112-SC, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. 16.05.2002.No sentido de que ä obrigação alimentar tem natureza personalíssima, não sendo atribuível, originariamente e por meio de ação para o seu reconhecimento, aos sucessores daquele que teria o dever de prestá-los em vida”. (TJSP, AI no. 668.762-4/3-00, 6ª. Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Vito Guglielmi, j. 1.10.2009).

2 Yussef Said Cahali, Dos alimentos, p. 73.

3 TJRS, AI nº 70039037940, 8ª Câmara Cível, rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, j. 27.01.2011. Contra: TJMG, Ap. nº 1774689-67.2008.8.13.2004, 8ª Câmara Cível, rel. Des. Teresa Cristina da Cunha Peixoto, j. 08.03.2012.

4 In Manual de Direito das Famílias, ed. Revista dos Tribunais, 7ª. Edição, 2010, p. 511.

5 EDcl no AgRg no Agravo de Instrumento no. 1.352.511- MT, rel. Min. João Otávio de Noronha.

6 “A hipótese prevista no art. 23, da Lei nº 6.515/1977, sobre a transmissão aos herdeiros da obrigação de prestar alimentos supõe que esse ônus já houvesse sido instituído em desfavor do alimentante falecido (…).” (STJ, Resp. nº 509.801/SP, 4ª Turma, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 21.10.2010). No mesmo sentido: TJSP, Ap. nº 0097641-47.2007.8.26.0000, 8ª Câmara de Direito Privado, rel. Des. Luiz Ambra, j. 17.08.2011. Daí porque, por exemplo, na hipótese de ação de investigação de paternidade promovida após o falecimento do suposto pai, o direito a alimentos encontra-se extinto.

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