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Planejamento Matrimonial: A Nem Sempre Fácil Escolha do Regime de Bens – publicado na Revista Síntese – Direito da Família – Edição nº 79 – Agosto/Setembro 2013

A escolha do regime de bens que deverá presidir as relações patrimoniais na constância do casamento revela-se muitas vezes tormentosa. Não são poucos os casais que, às vésperas das núpcias, mostram-se indecisos acerca de qual seria a sistemática que se apresentaria mais adequada diante das respectivas peculiaridades econômicas.

Diante disso e buscando facilitar um pouco a opção pelo regime de bens, procuraremos analisar todos eles, indicando a quem pode interessar cada um deles e apontando, ainda, as suas principais vantagens e desvantagens. Estas serão consideradas diante de três óticas distintas: durante a constância da relação, em face de seu possível desfazimento pelo divórcio ou mesmo, por fim, pelo falecimento de um dos consortes.

O primeiro regime a ser examinado será o da comunhão parcial de bens, também chamado de regime legal, uma vez que, na falta de pacto antenupcial que regulamente regime diverso, será aquele que deverá presidir as relações patrimoniais do casal.

1- REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS

O regime da comunhão parcial é aquele que enseja a comunicabilidade dos bens adquiridos a título oneroso na constância do casamento. Outros bens já existentes à época da formalização do matrimônio, assim como os recebidos por herança ou doação – do mesmo modo como os sub-rogados em seu lugar – permanecem como particulares de cada cônjuge, exceção aberta apenas aos respectivos frutos e rendimentos (CC, artigos 1658 e 1659, I e II).

aaa) A conveniência da adoção do regime diante da perspectiva do casamento e do divórcio

A comunhão parcial parece ser o regime ideal para aqueles que iniciam o casamento quando ainda jovens e que pretendam construir, graças ao esforço conjunto, um patrimônio comum. Afigura-se adequado, também, para aqueles que, ao ensejo da união, já sejam titulares de bens que não pretendam tornar, pelo matrimônio, comunicáveis. Assim, por exemplo, sendo um dos consortes sócio de empresa familiar ou coproprietário de imóveis com familiares seus, a adoção do regime da comunhão parcial revela-se útil na medida em que já, de antemão, afasta a comunicabilidade sobre tais bens.

O referido regime ainda preserva da comunhão os bens herdados, doados e os sub-rogados em seu lugar, mostrando-se conveniente, portanto, em especial, para os integrantes de famílias abastadas, em que a herança se mostra de expressiva monta.

Um outro aspecto positivo do regime legal é a não comunicabilidade das obrigações anteriores à união e que, por certo, tem causa alheia ao casamento, assim como das obrigações oriundas de ato ilícito praticado na constância do relacionamento, salvo reversão em proveito do casal (CC, art. 1659, III e IV).

Justo se revela, por outro lado, que no regime da comunhão parcial as benfeitorias realizadas em bens particulares se comuniquem. É que, se são elas edificadas durante o casamento, presume-se que o tenham sido com rendimentos adquiridos durante a união (CC, art. 1660, IV).

Já a comunicabilidade dos frutos dos bens particulares, apresenta-se de duvidoso proveito. Por um lado, pode suceder que um dos consortes venha a contribuir para a conservação do patrimônio particular do outro, e nesse sentido, nada mais razoável do que perceba ele os frutos dele advindos. Todavia, de outra parte, se não há colaboração para a conservação e até mesmo incremento do bem particular, a coparticipação do outro consorte sobre os frutos e rendimentos deste patrimônio não se justifica.

Outras vezes a comunicabilidade dos frutos pode, segundo o entendimento de alguns, acabar por conferir ao cônjuge parte de bem particular que, até então, apenas ao outro competia. Assim, por exemplo, quando um dos cônjuges já era, anteriormente à união, sócio de uma sociedade na qual, durante a vigência do casamento, venha a ser promovido aumento de capital mediante a incorporação dos lucros, o outro, que não era sócio e nem meeiro daquela participação societária, pode a esta passar a ter direito na mesma e exata proporção do incremento verificado. E tanto assim é que, caso aqueles mesmos lucros que foram revertidos em prol do aumento do capital social, tivessem sido distribuídos e, por conseguinte, integrados ao patrimônio pessoal do sócio, seriam eles comunicáveis ao cônjuge, ex vi das disposições contidas nos arts. 1.660, I, e 1.672.[1]

Um importante ônus advindo da adoção do regime da comunhão parcial tem-se na necessidade da prova de que a aquisição dos bens particulares de um dos cônjuges se deu anteriormente à união. Nesse caso, é conveniente que procedam os nubentes a um inventário minucioso dos bens já pertencentes a cada qual no momento do casamento, a fim de estabelecer com clareza aqueles que deverão permanecer no patrimônio pessoal de cada um deles. Essa descrição pode ser feita em escritura pública ou no pacto antenupcial.

Um outro grave problema advindo da adoção do regime da comunhão parcial decorre da circunstância de que nele não se comunicam os bens sub-rogados no lugar dos bens particulares. Trata-se de prova realmente diabólica e, a depender do tempo de união, esta pode, até mesmo, revelar-se impossível. Com efeito, em razão do lapso decorrido pode-se mostrar extremamente infrutífera a busca dos documentos que embasaram as transações referentes à alienação do bem particular e o emprego dos recursos daí advindos nos bens que o sucederam.

Mais um ângulo desfavorável do regime da comunhão parcial tem-se na obrigatoriedade da outorga uxória para as hipóteses de fiança e aval prestado por um dos cônjuges, bem como para alienação e oneração de bens imóveis, independentemente de integrarem esses, ou não, o acervo comum (CC, 1.647, I e III). Não se mostram raras as controvérsias geradas pela necessidade de tal anuência principalmente quando o aval, a fiança ou mesmo a oneração de imóvel é conferido em prol de negócios particulares de um dos consortes e que, por conseguinte, em nada beneficiam o autor da vênia conjugal. O mesmo se pode afirmar quando a outorga uxória se faz necessária para a alienação de bem imóvel, mormente quando pertencente este ao patrimônio particular de apenas um dos cônjuges. A perspectiva de um eventual direito hereditário – ex-vi da previsão do art. 1.829 caput do Código Civil -, entre outros motivos, pode levar aquele que não seja o proprietário do bem a externar persistente resistência à almejada venda, oposição esta apenas superável pelo suprimento de consentimento judicialmente obtido.

Para contornar eventuais inconveniências resultantes da comunhão parcial, podem as partes se valer do pacto antenupcial para eliminá-las, normatizando a seu modo, as disposições que se lhes afiguram como desfavoráveis. Assim, por exemplo, muito embora fazendo presidir, em regra, o casamento pelo regime da comunhão parcial, poderão os nubentes adotá-lo excluindo da comunicabilidade os frutos e rendimentos dos bens particulares ou as obrigações contraídas ao longo da união, como também poderão pactuar a comunicabilidade dos bens herdados e/ou dos adquiridos durante a união, ou até mesmo considerar integrante da comunhão determinado imóvel adquirido por um dos consortes anteriormente ao casamento.

b) A conveniência da adoção do regime diante da perspectiva da morte de um dos cônjuges

Diante do falecimento de um dos cônjuges que se casaram sob o regime da comunhão parcial de bens tem o supérstite direito à meação dos bens adquiridos a título oneroso na constância da união, herdando, ainda, em concurso com os descendentes do autor da herança, os bens particulares eventualmente por ele deixados. Ou seja, o viúvo que foi casado sob o regime da comunhão parcial herda sobre os bens particulares deixados, não sobre os bens comuns havidos, eis que destes já é meeiro.

Não obstante assim seja, em decorrência do que prevê o art. 1829, I do Código Civil, o Superior Tribunal de Justiça excluiu o cônjuge casado sob o regime da comunhão parcial de bens, da condição de herdeiro concorrente sobre os bens particulares deixados pelo consorte falecido, porquanto, como bem salientou a Min. Nancy Andrighi, “se em vida os cônjuges assumiram, por vontade própria, o regime da comunhão parcial, pelo qual se comunicam os bens que sobrevierem ao casal, na morte de um deles, deve essa vontade ser respeitada, sob pena de ocorrer, por ocasião do óbito o retorno ao antigo regime legal: o da comunhão universal, em que todo o acervo patrimonial, adquirido na constância ou anteriormente ao casamento, é considerado para efeitos de meação. A permanecer a interpretação conferida pela doutrina, de que o cônjuge casado sob o regime da comunhão parcial, herda em concorrência com os descendentes, inclusive no tocante aos bens particulares, teremos no direito das sucessões, na verdade, a transmutação do regime escolhido em vida – comunhão parcial de bens – nos moldes do direito patrimonial da família, para o da comunhão universal, somente possível de ser celebrado por meio de pacto antenupcial, por escritura pública. Por tudo isso, a melhor interpretação é aquela que prima pela valorização da vontade das partes na escolha do regime de bens, mantendo-a intacta assim na vida como na morte dos cônjuges”.[2]

Todavia e malgrado a orientação do STJ, não são poucos os arestos que se filiam à literalidade do artigo 1829, I, concedendo àquele que teve o matrimônio pautado pelo regime da comunhão parcial de bens, a condição de herdeiro, em concurso com os descendentes do autor da herança. A questão não está ainda, pois, definitivamente solucionada, o que pode acarretar uma indesejável insegurança para os nubentes ao ensejo da escolha do regime de bens que deverá pautar as relações conjugais.

Muito embora a orientação ora referendada pela Superior Corte seja a mais correta e a certeza de que o artigo 1829, I, não tenha passado de um grande e imperdoável equivoco do legislador, – porquanto realmente é inconcebível outorgar a condição de herdeiro àqueles que optam por um regime comunhão parcial de bens -, o certo é que o desencontro da jurisprudência acaba por ensejar situações não desejadas e injustas.

Assim, por exemplo, aquele que se casou sob o regime da separação de bens, porque não pretendia que o seu consorte viesse a integrar o quadro social de uma sociedade fechada composta apenas por familiares seus, teve a ingrata surpresa, após a vigência do Código Civil, de ver o consorte assumir, como herdeiro, parcela daquela participação. É certo, outrossim, que a depender do vulto daquela participação e à míngua de bens outros para formar o seu quinhão hereditário, o indesejado ingresso do ex-cônjuge naquela sociedade familiar pode se revelar inevitável.

Por outro lado, pode suceder também que determinada pessoa, casada sob o regime da comunhão parcial, pretenda conferir a seu consorte a condição de legatário de seus bens particulares. Conhecedora dos termos do artigo 1829, I, e confiando na letra da lei, pode ela não se preocupar em conferir ao cônjuge, por testamento, parcela dessa massa de bens, na convicção de que o outro já estaria, sob esse aspecto, protegido. Também aqui, a mudança da orientação jurisprudencial, desconsiderando – corretamente, é bem da verdade – a condição de herdeiro concorrente do cônjuge sobre os bens particulares, pode, ante à ausência de meação, deixá-lo à míngua, o que de forma alguma corresponderia ao desejo do consorte falecido, o qual, insista-se, morreu convicto de que o artigo 1829, I, asseguraria ao viúvo a necessária proteção.

Mas, na falta de descendentes do autor da herança, concorre o viúvo com os ascendentes do falecido. Recebe ele, nessa hipótese, além da meação, o direito hereditário assegurado pelo artigo 1837 da Lei Civil, ou seja, um terço do monte mor se concorrer com os dois ascendentes em primeiro grau ou metade da herança se concorrer com um só ascendente ou se forem eles de maior grau (avos, bisavós etc.).

2. REGIME DA SEPARAÇÃO TOTAL DE BENS

O regime da separação de bens caracteriza-se pela incomunicabilidade dos bens presentes e futuros dos cônjuges. Cada cônjuge conserva, em separado, a propriedade e posse de seus bens, administrando-os a sua vontade. Igualmente, as dívidas permanecem sob total responsabilidade daquele que as contraiu.

Trata-se de um regime em que coexistem dois patrimônios distintos: o do marido e o da mulher. Tanto os bens anteriores como os posteriores ao casamento são da propriedade individual de cada um dos cônjuges. Consoante as regras que norteiam esse sistema, cada um dos cônjuges administra livremente os seus bens, podendo aliená-los ou gravá-los de ônus real (art. 1.687 c/c o art. 1.647, I, ambos do CC).

b) A conveniência da adoção do regime diante da perspectiva do casamento e do divórcio

Cuida-se, sem dúvida, de um regime extremamente útil para aqueles que, ao casar, já constituíram um patrimônio considerável e não pretendam partilhá-lo, ao cabo da relação, com o outro consorte. É muito comum também a adoção de referido regime por aqueles que fazem parte integrante de famílias ricas que primam pela preservação do patrimônio no seio de seus membros, e por conseguinte não desejam a intervenção de terceiros estranhos na administração de seus negócios.

O regime da separação total é frequentemente utilizado por aqueles que mantêm participações societárias em empresas nas quais o ingresso de terceiros estranhos (entre os quais se inclui, por óbvio, o outro cônjuge) à sociedade e aos demais sócios não se revela conveniente. O regime da separação total é ainda usualmente adotado por aqueles que pretendam se envolver em negócios de alto risco, eis que neste regime não se comunicam as dívidas contraídas.

Um importante benefício deste regime tem-se no fato de que os cônjuges que façam presidir suas relações pela separação total estão dispensados da outorga uxória, seja para a concessão de fiança ou aval, ou seja, ainda para alienar ou gravar de ônus real bens imóveis.

Uma vez escolhido o regime da separação total, não se sujeitam os consortes à comunicabilidade dos frutos e rendimentos, o que evita, destarte, os inconvenientes mencionados acima.

Por fim, e porquanto neste regime todo patrimônio amealhado ou já existente ao início da união é considerado particular daquele que o adquiriu, não há que se cogitar da difícil prova da sub-rogação que se exige para aqueles que se casam sob o regime legal.

O principal inconveniente de tal regime resulta obviamente de sua própria estrutura: a incomunicabilidade total e absoluta que encerra. Na maior parte dos casamentos ou uniões estáveis pautadas pela separação absoluta, o pacto que a formaliza é geralmente exigência do parceiro economicamente mais favorecido. A não comunicabilidade ao início da relação pactuada pode levar o consorte a quem o regime não beneficia a sair, após anos ou décadas da relação e muitas vezes de dedicação plena e integral ao outro, sem qualquer compensação de ordem material.

Para afastar algumas das regras da separação absoluta que não lhes convenham, poderão os nubentes, no pacto, convencionar a comunicabilidade do bem que sirva de residência ao casal ou de outro qualquer, integrante do patrimônio particular de um dos pactuantes.

b.1) a conveniência da adoção do regime diante da perspectiva da morte de um dos cônjuges

Muito embora pelo regime da separação convencional não se comuniquem os bens pertencentes a cada um dos consortes, mantendo-se eles sob a sua exclusiva administração, o Código Civil confere ao cônjuge sobrevivente do matrimônio celebrado sob tal regime a condição de herdeiro em concorrência com os descendentes do falecido.

Ao assim estatuir, eliminou o Código Civil a única possibilidade de – por livre escolha – lograrem os cônjuges fazer reger o casamento por um regime de plena e total incomunicabilidade. Deixou, assim, o direito brasileiro de contar com um único regime que pudesse ser alcunhado de plena e total separação de bens. Aquele atualmente regulado pelo artigo 1641, é de separação de bens em vida, de nada valendo, post mortem, a vontade externada em pacto.

Se os nubentes subscrevem o pacto almejando sacramentar o regime de absoluta separação de bens, incidem, na verdade, em grave equívoco, pois o legislador, após a morte de um deles, torna essa manifestação de vontade de nenhuma valia. Vilipendia a lei, desse modo, a vontade daqueles que se uniram pelo regime da separação de bens e que, em momento algum, pretenderam que, após a sua morte, outra disciplina viesse a presidir a herança,

Até recentemente a observância literal estrita e cega da norma do artigo 1829, I, do Código Civil, reinava absoluta em nossa jurisprudência.[3]

Ao final do ano de 2009, ou seja, após quase oito anos do início da vigência do atual Código Civil, o Superior Tribunal de Justiça finalmente proclamou que o cônjuge que havia sido casado com o falecido sob o regime da separação convencional de bens, não se torna herdeiro uma vez que “(…) a ampla liberdade advinda da possibilidade de pactuação quanto ao regime matrimonial de bens, prevista pelo direito patrimonial da família, não pode ser toldada pela imposição fleumática do direito das sucessões porque o fenômeno sucessório ‘traduz a continuação da personalidade do morto pela projeção jurídica dos arranjos patrimoniais feitos em vida’. Trata-se, pois, de um ato de liberdade conjuntamente exercido, ao qual o fenômeno sucessório não pode estabelecer limitações”.[4]

A não prevalecer a orientação conferida ao artigo 1829, I, pelo STJ, ter-se-ia de admitir uma situação totalmente iníqua. Não haveria, no Direito Brasileiro, regime de bens que preservasse, da comunicabilidade post mortem, os bens particulares. Assim, como jocosamente adverte MARIA BERENICE DIAS “quem tiver filhos e bens e pretender que o cônjuge não participe de seu patrimônio particular, recebendo somente a meação do que venha a ser adquirido depois das núpcias, não tem saída. Simplesmente não pode casar”.[5]

O cônjuge viúvo que foi casado sob o regime da separação de bens, na falta de descendentes, concorre, de todo modo, com os ascendentes do consorte falecido, da forma preconizado pelos artigos 1829, II e 1836 do Código Civil.

3. REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS

a) A conveniência da adoção do regime diante da perspectiva do casamento e do divórcio

Muito embora o regime da comunhão universal tenha sido tido, até o advento da Lei do Divórcio, como o regime legal, é hoje bem pouco usado. A comunicabilidade plena e total de todos os bens, passados, presentes e futuros, raramente pode se mostrar desejável.

Exige dos cônjuges que o perfilham um alto grau de altruísmo, uma vez que cedem, desde logo, ao outro, metade dos bens que possuem. É muito difícil perscrutar as razões que levam os nubentes a aderir a tal regime nos dias de hoje, em que o casamento, via de regra, não é único na vida das pessoas.

Justifica-se, contudo, a adoção deste regime, por exemplo, quando antes da formalização da união, as partes já mantinham uma sociedade de fato, e a integralidade dos bens adquiridos em razão do esforço comum encontrava-se registrada formalmente apenas em nome de um dos consortes. A adoção do regime da comunhão teria, nesse caso específico, o condão de tornar comunicáveis aqueles bens. Pela mesma razão, se antes da formalização do enlace, um dos nubentes realiza inúmeras e custosas benfeitorias no imóvel pertencente ao outro, nada mais justo que deliberem eles pela comunhão total de modo que o referido imóvel passe a integrar o patrimônio comum.

A adoção deste regime é ainda comumente utilizada nas famílias em que há existência de filhos de diversos relacionamentos, para a redução dos direitos hereditários de algum deles. Com efeito, se alguém, já tendo prole de anterior consórcio, se casar pela segunda vez e o fizer sob o regime da comunhão total de bens e dessa relação advier outro filho, é evidente que o descendente havido de anterior união poderá ser prejudicado, pois o filho havido do segundo matrimônio herdará sobre a totalidade desse acervo já que deste são exclusivos titulares ambos os seus genitores, enquanto que aquele fruto do primeiro consórcio herdará no máximo uma quarta parte do patrimônio daquele que for seu genitor.

Um empecilho para a adoção deste regime é que a lei veda aos cônjuges contratar sociedade entre si ou com terceiros (CC, art. 977)[6]. Ou seja, àqueles casados pelo regime da comunhão total, não se faz permitida a constituição de sociedade.

Alguns dos inconvenientes do regime da comunhão universal podem contornados por ocasião da celebração do pacto antenupcial. Os nubentes podem se valer do referido instrumento para, por exemplo, estabelecer a incomunicabilidade dos bens herdados ou daqueles havidos anteriormente à união; ou das obrigações contraídas ao longo do casamento; ou de uma determinada participação societária, ou ainda de certo imóvel, mantendo, no mais, hígidas as normas do regime da comunhão total.

b.1) a conveniência da adoção do regime diante da perspectiva da morte de um dos cônjuges

Ao cônjuge casado sob o regime da comunhão universal de bens, por já ser ele titular de metade dos bens deixados pelo falecido, não se confere a condição de herdeiro, em concorrência com os descendentes. Mas na falta destes, concorre ele com os ascendentes do autor da herança, nos mesmos moldes daquele casado sob qualquer outro regime.

Reside aqui um grave inconveniente para aqueles que optam pelo regime da comunhão total de bens. É que, se o objetivo do legislador, ao arredar da concorrência com os descendentes, estribou-se na circunstância de já contar ele com os bens integrantes da meação, o certo é que não se pode ignorar que o autor da herança, malgrado consorciado sob aquele sistema, pode não ter deixado bens comunicáveis, mas ao revés, apenas bens particulares (por ex., algum daqueles arrolados pelo art. 1.660). Nessa hipótese, o cônjuge nada recebe quer a título de meação, quer a título de herança em concorrência com os descendentes do finado consorte. Entretanto, se tivesse sido o cônjuge supérstite casado sob o regime da comunhão parcial, a mera existência do acervo particular o levaria a concorrer com os descendentes.

(i.4) regime da participação final nos aquestos

O regime da participação final nos aquestos é aquele em que cada cônjuge, durante o casamento, mantém patrimônio próprio, mas, à época do desfazimento da sociedade conjugal, passa a ter direito à metade de todos os bens adquiridos, a título oneroso, na constância do casamento. Ou seja, cuida-se de um regime de separação total de bens durante a vigência da união e de comunhão parcial por ocasião de sua dissolução.

a)A conveniência da adoção do regime diante da perspectiva do casamento e do divórcio

A grande vantagem deste regime está na possibilidade de que, durante a união, cada cônjuge administre, com exclusividade, seus próprios bens, sendo que, tão somente para a alienação dos imóveis, necessitará ele da outorga uxória, salvo, em caso de cessão de bens particulares, se houver expressa disposição, neste sentido, no pacto antenupcial (CC, art. 1.656).

O grande inconveniente de tal regime está na sua liquidação, a qual se denota bastante complexa, devido não apenas à manifesta dificuldade inerente à apuração dos aquestos – a qual poderá exigir perícia para a avaliação dos bens, complicados cálculos etc. -, como também em razão dos elevados custos envolvidos. O regime da participação final dos aquestos caracteriza-se pelo sistema dual: na vigência do matrimônio equivale ao regime de separação total de bens que, ao cabo do casamento, converte-se em regime de comunhão parcial de bens.

Durante a união cada cônjuge mantém a propriedade e a administração exclusivas de seu patrimônio, mas com a dissolução da sociedade conjugal – ditada pelo divórcio, separação, morte, nulidade ou anulação do casamento – os bens remanescentes passam a pertencer em igualdade de condições a ambos os cônjuges.

b.1) a conveniência da adoção do regime diante da perspectiva da morte de um dos cônjuges

O artigo1829, I, do Código Civil é omisso no que tange à concorrência do cônjuge casado sob o regime da participação final dos aquestos e os descendentes do consorte falecido. No silêncio da lei, mas diante da similitude existente entre o regime da comunhão parcial e o da participação final dos aquestos – nos quais os bens adquiridos antes do casamento, aqueles advindos de herança ou doação e os subrogados em seu lugar são particulares e não integram a meação – remanesce a dúvida acerca da possibilidade de se outorgar ao cônjuge casado sob tal regime o direito de concorrer à herança – entendida como o acervo de bens particulares deixado – juntamente com os descendentes daquele.

Trata-se, pois, não há dúvida de mais uma imperdoável omissão do legislador do Código Civil de 2002.

Pois bem, não tendo sido o regime da participação dos aquestos excepcionado pelo legislador ao lado da comunhão total ou da separação obrigatória, há quem sustente que o viúvo que foi casado sob o regime da participação final dos aquestos teria direito à concorrência com os descendentes de modo irrestrito.

Nesse sentido, MARIA BERENICE DIAS assinala que “ao cônjuge sobrevivente do casamento celebrado sob o regime da participação final dos aquestos é assegurada parcela da herança. Havendo ou não bens particulares, participa da sucessão com os herdeiros. Já no regime da comunhão parcial, o sobrevivente concorre sobre todos os bens particulares do falecido. Claro que nada justifica o tratamento diferenciado entre regimes de bens que tem os mesmos efeitos. A regra é a concorrência e a lei, ao excluí-la em alguns regimes de bens, não excepciona o da participação final nos aquestos. E, para excluir direitos, é indispensável expressa previsão legal. Não dá para subtrair direitos por analogia”.[7]

Destarte, ante à similitude com o regime da comunhão parcial, não faria o menor sentido admitir que o cônjuge casado sob este último regime recebesse menos do que aquele cujo consórcio foi pautado pelo regime da participação final nos aquestos. Mas essa questão não está ainda pacificada quer na doutrina, quer na jurisprudência, o que redunda em mais um aspecto negativo desse sistema que deve ser levado em conta por ocasião de sua eleição, pelos nubentes.

Contudo, e tal como corre nos demais regimes de bens, o cônjuge viúvo que foi casado sob o regime da participação final dos aquestos, na falta de descendentes, concorre com os ascendentes do consorte falecido, da forma preconizado pelos artigos 1829, II e 1836 do Código Civil.

5- REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA BENS

Imposto por lei aos que se casam em inobservância de uma das causas suspensivas para a celebração do matrimônio (art. 1641, I do CC); como também aos que deliberam celebrar o matrimônio com mais de setenta anos de idade (art. 1641, II, do CC); ou ainda aos que para se casar necessitam se valer de suprimento judicial (art. 1641, III, do CC), vigora para aqueles a separação total dos bens adquiridos não só anteriormente ao matrimônio, como também daqueles posteriormente havidos, cabendo a eles a propriedade particular e exclusiva de seu patrimônio, assim como a respectiva administração.

b) As consequências da imposição do regime diante da perspectiva do casamento e do divórcio

Não obstante a lei imponha o regime da separação obrigatória para aqueles que se casam com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento, para as pessoas maiores de setenta anos, bem como para todos aqueles que dependerem para casar, de suprimento judicial, o certo é que a lavratura de pacto antenupcial para aqueles que se casam nestas condições, pode se revelar de extrema valia.

Ocorre, todavia, que o regime de separação obrigatória não se aplica aos bens adquiridos na constância da sociedade conjugal. Já assim era ao tempo da Súmula 377 do STF (“No regime da separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”) e assim persiste diante da redação do art. 1.641 do CC, já que este, ao contrário do anteprojeto, não excepciona, daquela sistema de bens, a comunhão de aquestos. Daí porque neste regime a separação não é total, mas parcial.

Bem por isso, e para espancar qualquer dúvida acerca da comunicabilidade ou não dos aquestos nesse regime, sugere-se a lavratura de pacto antenupcial para que a comunhão dos bens adquiridos após a realização do matrimônio fique definitivamente afastada.

b.1) as consequências advindas do regime da separação legal diante da da morte de um dos cônjuges

Em tal sistema não há de se cogitar de meação e, em razão da norma do artigo 1829, II, do Código Civil, tampouco em concorrência hereditária. Trata-se da única hipótese em que não há meação, nem mesmo direito à herança.

No entanto, em tal regime, comunicam-se, em virtude da Súmula 377 do STF, aqueles bens onerosamente adquiridos na constância do casamento, independentemente da prova de que estes tenham sido amealhados graças ao esforço comum dos cônjuges. Destarte, do mesmo modo como teria direito se viesse a se divorciar, tem o cônjuge que foi casado sob o regime da separação obrigatória direito a receber metade dos aquestos havidos após a união.

Trata-se, portanto, do único regime de bens em que as consequências dele decorrentes, diante do divórcio ou do falecimento de um dos cônjuges, revelam-se absolutamente idênticas.

O cônjuge viúvo que foi casado sob o regime da separação legal de bens, na falta de descendentes, concorre com os ascendentes do consorte falecido, da forma preconizado pelos artigos 1829, II e 1836 do Código Civil.

[1] Essa questão não é pacífica, pois há quem entenda que não havendo aporte de capital, o eventual aumento na participação societária de um dos cônjuges não se comunicaria ao outro. É que a referida valorização não poderia ser tida como fruto daquele patrimônio particular, uma vez que não se pode vislumbrar, nessa hipótese, a formação de uma res nova, separável da coisa principal. O que ocorre nesse caso é aumento do valor do próprio bem particular.

Tenha-se, como paradigma, o imóvel recebido por um dos cônjuges a título de herança e que, em razão da construção de uma nova avenida, tem o seu valor substancialmente elevado. Ao cônjuge não detentor da titularidade desse bem jamais será concedido qualquer direito sobre a referida valorização.

[2] STJ, REsp. 1.117.563-SP, 3ª Turma, rel. Min Nancy Andrighi, j. 26.05.2009. Perfilha essa novel orientação outro acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “sendo ambígua a redação do artigo 1829, I, existindo diversas correntes em relação ao referido dispositivo, a melhor interpretação é aquela que entende que o cônjuge sobrevivente deve ser herdeiro apenas dos bens comuns, sendo os bens particulares partilhados apenas entre os descendentes. Interpretação que mais se harmoniza com o regime da comunhão parcial escolhido pelos cônjuges. Precedentes do STJ” (TJRS, Ap. 700.35286681, 8ª Câmara Cível, rel. Des. Claudir Fidelis Facchenda, j. 20.05.10).

[3] “Interpretação dos artigos 1829, I e 1832 do Código Civil. Viúva que era casada com o falecido pelo regime pela separação de bens convencional, que é herdeira em igualdade de condições com as filhas” (TJSP, AI n. 635.828-4/9, 4ª Câmara de Direito Provado, rel. Des Maia da Cunha j. 25.06.2009); Viúva casada com o autor da herança no regime da separação convencional de bens. Direito à sucessão Legitima em concorrência com a filha do falecido. Inteligência do art. 1829, I do Código Civil. Vedação que somente ocorre, entre outras causas, se o regime de casamento for o da separação obrigatória de bens” (TJSP, AI n. 313.414.-4/1, 3ª Câmara de Direito Privado, rel. Des. Flavio Pinheiro, j. 04.11.2003); “Tendo o casamento sido realizado pelo regime da separação convencional de bens, o cônjuge supérstite deve ser chamado para suceder, concorrendo com os filhos do casal, aos bens deixados pelo falecido. Inteligência do artigo 1829, I do CCB” (TJRS, AI 70020919817, 7ª Câmara Cível, rel. Des. Sergio Fernando de Vasconcellos Chaves, j. 24.10.2007); “No casamento realizado no regime da separação total de bens, com pacto ante-nupcial, há a incomunicabilidade total dos bens anteriores e posteriores ao matrimônio. O bem doado com cláusula de incomunicabilidade não integra a meação do cônjuge, seja qual for o regime de bens. Ademais, o gravame que incide sobre o bem o torna bem particular afastando-o da meação, admitindo-se, contudo, que sobre ele concorra na sucessão o cônjuge sobrevivente com os herdeiros descendentes, na esteira do que dispõe o artigo 1829, I, do Código Civil.” (TJRS, AI n. 70021504923, 8ª Câmara Cível, rel. Jose Trindade, 11.12.2007).

[4] STJ, Resp. n. 992749, 3 Turma, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 01.12.2009.

[5] In Direito das Sucessões, p. 168.

[7] In Manual das Sucessões, Ed. RT, 2008 p. 159. Essa é a solução também alvitrada por EUCLIDES DE OLIVEIRA, segundo quem “a solução analógica, diante do manifesto cochilo legislativo, repousa na conclusão de que nesse regime, igualmente, o cônjuge sobrevivente somente teria o direito de concorrer na herança sobre os bens particulares do falecido e não sobre aquele sobre os quais já tenha participação equivalente à meação” (in Os Sete Pecados Capitais no Novo Direito Sucessório, in Revista da Escola Paulista da Magistratura, ano 9, n. 1, p. 44, janeiro/julho – 2009.

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